A presença dos deuses-rios nas sacristias dos templos mineiros
(sobre o lavabo da Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos na Vila de São João del-Rei)
Resumo
Resumo: Os lavabos, conforme se convencionou nomear os lavatórios – chafarizes/fontanários instalados nas paredes das sacristias dos templos religiosos católicos durante o período colonial – são um importante objeto de estudo sobre os ornamentos fabricados por artífices afro-luso-brasileiros para os lugares destinados à purificação ritual das mãos dos padres. A capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, edificada na Vila de São João del-Rei, em meados do século XVIII, recebeu uma caprichosa carranca de pedra-sabão para a bica de sua sacristia, com a aparência monstruosa de uma figura meio-humana meio-concha, e fundida com folhagens. A esta criatura, como discutiremos, se dava o nome de deus-rio, conforme aprendido dos poetas que narravam os nascimentos e triunfos aquáticos, e que foi um dos ornamentos mais utilizados para fantasticar a arquitetura hidráulica para os templos religiosos do catolicismo pós-tridentino. As divindades fluviais estão presentes numa ampla paisagem cultural, sendo localizadas nas carrancas dos mármores romanos, da pedra de lioz na corte lisboeta e da pedra-sabão nos pequenos povoados da capitania das Minas Gerais.
Palavras-chave: deuses-rios; lavabo; sacristia; Nossa Senhora do Rosário; thiasos marinho.
Abstract: The lavabos, as the lavatories were conventionally called - fountains installed in the sacristy walls of Catholic religious temples during the colonial period - are an important object of study on the ornaments manufactured by Afro-Portuguese-Brazilian craftsmen for the places destined for the purification ritual of priests' hands. The chapel of Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, built in the village of São João del-Rei in the mid-18th century, received a whimsical soapstone scowl for the spout of its sacristy, with the monstrous appearance of a half-human half-shell figure, and cast with foliage. This creature, as we will discuss, was given the name river-God, as learned from poets who narrated water births and triumphs; and was one of the most widely used ornaments to fantastic hydraulic architecture for the religious temples of post-Tridentine Catholicism. The river-Gods are present in a wide cultural landscape, located in the carrancas of the Roman marbles, the lioz stone in the Lisbon court, and the soapstone in the small villages of Minas Gerais captaincy.
Keywords: river-Gods; water fountain; sacristie; Nossa Senhora do Rosário; marine thiasos.